Network é a palavra para definir Leo Belicha. Brasileiro, ele vive há 17 anos em Londres, onde ficou famoso com a Calígula, uma das festas mais divertidas da cidade. Hoje promove as festas particulares da moda, de Hollywood e da música pelo mundo. Craque na arte da imagem, tem no currículo clientes que vão dos Rolling Stones a Rihanna. Todo ano em Cannes, ele veste famosas e famosos em sua styling suite. Um de seus sonhos: fazer as celebridades brasileiras acontecerem realmente no tapete vermelho.

Ouvi falar de Leo pela primeira vez através de Jana Mello, performer e stylist preferida da dupla de estilistas Basso & Brooke. Ela me contou que na temporada que passou em Londres, Leo foi um de seus melhores amigos e estimuladores na arte da performance no Cirque le Soir, um clube no centro de Londres, onde trabalhou como diretor criativo.

leo-belicha-materia 1
Além de promover as festas mais divertidas do planeta, uma das especialidades de Leo é ter amigos interessantes, como Jefferson Hack, fundador de revistas como a "Dazed", "Another Magazine" e "Another Man". "Cheguei a conversar com a organização da São Paulo Fashion Week (a última, do inverno 2015), pois pretendia chamá-lo. Ele nunca veio ao Brasil e é atualmente o homem mais poderoso da Europa e ainda por cima é pai da filha da Kate Moss", conta Leo, que adiou o convite. Na São Paulo Fashion Week ele assistiu ao desfile de Alexandre Herchcovitch e não perdeu a festa da Versace. Sua presença na cidade teve logo uma consequência: a concorrida festa para comemorar o aniversário da "Harper's Bazaar".

Aos 10 anos no clube Ku em Ibiza surgiu a inspiração

Leo tem cidadania europeia e explica que a família, de origem judaica, veio para o Brasil na época da Segunda 
Guerra Mundial. Hoje, o pai é um bem sucedido empresário da rede de hotéis, que esperou que o filho assumisse a frente dos negócios. Não imaginava que ao levar o pequeno Leo, na época com 10 anos, ao clube Ku (hoje transformado em Privilege), um dos maiores do mundo, em Ibiza, estava estimulando uma carreira inusitada. "Meu pai morava em Ibiza e era um dos diretores gerais do Ku, um dos maiores clubes do mundo. Estávamos no final dos anos 80, entrei e senti uma liberdade enorme. Outro dia meu pai me mandou a foto, dizendo: aqui foi onde tudo começou. Na foto eu apareço com uma roupa toda fluorescente".

leo-belicha-materia 3

O segundo momento revelação aconteceu aos 17 anos, quando ele entrou na Tunnel em Nova York. Antes de Londres, a primeira escala de Leo foi Nova York. "Comecei a ir muito cedo para Nova York. No Rio a geração carioca dos anos 90 frequentava uma vida noturna efervescente com as festas do Mercado Mundo Mix e da Valdemente. Misturávamos um gótico com futurista de cabelos pintados. Em Nova York fui amparado pelo grupinho da Patricia Field. Naquela época, o House of Field não era tão comercial. Tinha as peças mais incríveis do Walter Van Beirendonck, Jil Sander, era aquela mistura underground chique", lembra Leo, que voltou ao Brasil imaginando que teria que aproveitar a experiência.

Com a mãe de todos na Saint Martins, um curso sob medida

Estimulado por Neandro Ferreira, acabou indo para Londres estudar na Central Saint Martins, depois de passar por aqui pela Faculdade da Cidade e pela Veiga de Almeida. 
"No começo fui aprovado para moda feminina mas depois de seis meses vi que não era isso que eu queria. Consegui que a Louise Wilson, que era a mãe de todos na Saint Martins, fizesse uma estrutura de cursos para mim de quatro anos, que me permitisse passar por todas as áreas ligadas à moda. Fashion Business, Styling, Assessoria de Moda, Fine Arts, Marketing. Cobri assim todos os setores da moda para ter uma visão ampla e me especializar onde eu queria que é direção criativa", conta Leo, que retornou ao Brasil para um novo choque cultural.

"Voltei de Londres e tive um trauma muito grande. Dentro da minha cabeça, seria assim: eu teria terminado minha faculdade e voltado ao Brasil para aplicar o que tinha aprendido lá. Na cabeça da minha família, eu ficaria à frente dos negócios. Percebi que teria que lutar contra a vontade da minha família, que me queria à frente dos negócios, e contra a dificuldade da vida aqui. Eu era novinho, tinha 24 anos e aquela arrogância de juventude, de me achar porque havia cursado a Saint Martins. Pensei, vou ter que cortar o cordão umbilical 100%. Saí dramático, tipo não volto nunca mais. E fui para Londres com essa cabeça de não retornar ao Brasil. Se a minha família quisesse me ver teria que ir lá. Segui esses anos todos assim. Obviamente depois de duas semanas já estava bem com a família. Mas acabei criando um bloqueio: no Brasil não dá", lembra.

'Em Londres há sempre alguém talentoso para fazer o seu trabalho'

"Londres é dificílimo", explica Leo. "Tem muita gente talentosa, preparada pra não precisar de um suporte em todos sentidos. Na Saint Martins, eu, sempre perfeccionista, querendo estar no controle de tudo, escolhia os japoneses para meus parceiros nos grupos de trabalho. Eles não falavam nada de inglês. E eu não entendia nada do que eles falavam. Até pela dificuldade da lingua, os japoneses vão para Londres dispostos a trabalhar 15 horas por dia sem ganhar", observa Leo Belicha.

Segundo Leo, o mercado é tão competitivo que há sempre alguém talentoso para fazer o seu trabalho. Não só em styling e direção criativa mas na área de relações públicas. "Toda a área de relações públicas em Londres é uma piada. Eles empregam estagiários, que são substituídos por outros estagiários no final de um ano. Essa estrutura em Londres cria a necessidade de sobrevivência. E dentro dela, aprender e saber por onde você vai para sobreviver é uma guerra absurda", afirma.

Maria Zilda em 'Vereda Tropical", a primeira diva

Leo começou a conquistar seu espaço pela noite, território em que desde cedo, misturando moda e música, sentiu que podia se expressar livremente. "Desde muito novo sempre me senti atraído pela moda. Na minha infância eu já tinha a ideia de diva na cabeça vendo novela". Sua primeira diva foi a atriz Maria Zilda em "Vereda Tropical". "Ela fazia uma mulher montadérrima. Eu desenhava a Maria Zilda na sala de aula o tempo todo. Uma era normal, e outra ela já montada. Na mesma época descobri a Diana Ross com aquele cabelão", lembra Leo, que na bagagem para Londres já levava muitas referências, das histórias do Studio 54 contadas pelo pai e a mãe à Factory, de Andy Warhol, Fellini e Salvador Dali.

Na noite londrina, Leo viu a possibilidade de viver seu personagem usando a moda independente de tendências. Em 1998 
chegou a Londres preparado para executar seu plano. "Eu me lembro que tinha aquela coisa: para onde a gente vai, vamos nos montar! Chegávamos nos lugares e estava todo mundo de calça jeans e tênis. Não! Em Londres! Para onde a gente vai?!", conta.

McQueen, Galliano, Stella na noite de Londres

No final dos anos 90, andar montado ficou fora de moda. Tudo ficou muito esportivo. Com a perspectiva do ano 2000, inconscientemente, 
segundo Leo, havia um questionamento no mercado criativo: afinal o que a nossa geração está criando? "Foi nessa ocasião que cheguei. Em 2001 e 2002 começou em Londres essa cena de electroclash, unindo a moda e a noite. O Alexander McQueen estava sempre na noite, John Galliano também, os profissionais que realmente faziam estavam lá. Era o momento da Stella McCartney. Você tinha um acesso muito grande. Através do social, comecei a conhecer e a ficar amigo de várias pessoas. Gente que ainda estava estudando e que acabou estourando depois".

Leo Belicha faz um interessante histórico sobre as razões que levaram a noite novaiorquina a morrer nos anos 90, provocando o efeito dominó que atingiu Londres no final da mesma década. Um dos fatores decisivos para ele foi a história do Michael Alig, rei dos Club Kids, que teve sua história contada no filme "Party Monster", com Macaulay Culkin no papel de Michael.

 Amigo de Michael Alig em Nova York

"O pessoal do Michael era o meu grupo quando eu frequentava Nova York. Michael Alig matou um traficante, esquartejou o corpo e jogou no rio e o prefeito Rudolph Giuliani achou que já estava na hora de dar um limite. Conheci o Michael pessoalmente. Ele era uma das pessoas mais criativas que já vi. Tudo bem que tinha o desejo daqueles adolescente de estarem muito loucos e quererem se vestir, mas é uma tarefa grande controlar uma cena dessas e aquele teatro todo. Além disso ele tinha todo o suporte do Peter Gatien, dono do Limelight. Se o Michael pedisse três girafas na pista de dança ele conseguia", lembra Leo.

Leo lembra muito bem que quando Giuliani assumiu e rolou o assassinato, já tinha muita gente morrendo de overdose. "Ele colocou câmera em todos os clubes. De uma semana para outra, clubes como Tunnel, Sound Factory, que eu frequentava, tinham câmera em todos os lugares. Ele espalhou câmeras pela cidade inteira. A gente ia para casas de sexy party de manhã, via aqueles club kids com casacões de pele todos coloridos, meio cyber. Naquele momento a noite de Nova York foi assassinada. Sabe aquela sensação que tínhamos de que Nova York era Gotham City, um lugar onde tudo podia acontecer? Acabou. Você andava na 42 e encontrava aquela mistura de prostitutas, traficantes, aquele mundo retratado em "Taxi Driver". A gente amava aquilo, a possibilidade de coisas novas".

Como escutar um house de verão com 20 graus abaixo de zero em Londres?

Com a reação às drogas, ao comportamento heroína chique, que matou de overdose modelos e fotógrafos,
começou um culto à saúde, que elegeu no lugar de Kate Moss, musas mais coradas e bronzeadas como Gisele Bündchen, por exemplo. "A nova música passou a ser o house", lembra Leo, "um house mais verão, que funciona maravilhosamente no Rio de Janeiro, em Ibiza ou em Miami. Mas vai escutar um house desses a 20 graus abaixo de zero em Londres? Não funciona."

"A vontade de se montar voltou com o electro", conta Leo, que nessa época conheceu muita gente interessante, como o estilista Julien McDonald, que substituiu McQueen, quando ele saiu de Givenchy em 2002. "Percebi que meus amigos estavam acontecendo. E chegou minha vez também. Fiz editoriais para várias revistas, 'Dazed', 'I-D', mas não queria ficar colaborando para essas publicações durante anos e levar o estilo de vida dessas pessoas. Elas viajam o mundo inteiro, têm que estar em todos os desfiles, nas primeiras filas, mas não conseguem o retorno financeiro equivalente ao prestígio. Eu me coloquei um prazo para fazer esse tipo de trabalho, que não remunera e vale pelo aprendizado".

Calígula: festa para o motorista de caminhão, Karl Lagerfeld e a socialite

Em 2007 e 2008, em plena crise econômica, as festas de moda passaram a fazer sucesso. Segundo Leo, elas 
começaram interessantes mas viraram quase ditatoriais. Mais do que a música ou a diversão, era a roupa certa que
importava. Nesse contexto nasceu em 2008 meio por acaso a Calígula, que Leo começou a organizar a convite do produtor Jimmy Warboy. "Na entrevista que demos, fizemos questão de afirmar: queremos o motorista de caminhão, a prostituta, o Karl Lagerfeld, a Anna Wintour... Essa mistura de gente, moda, música e arte. Acabamos dando assim o golpe de misericórdia nas festas de moda", lembra Leo.

As festas de moda eram assexuadas

A Calígula continuou num cenário super charmoso: uma casa de banhos turca, onde para se chegar era preciso
passar por um cemitério e uma igrejinha vitoriana. Os artistas amigos cantavam numa boemia, segundo Leo, tipo Cabaré Voltaire, anos 20. Se as festas de moda eram assexuadas, as da Calígula sabiam explorar a sensualidade. "Não precisa fazer uma orgia mas se quiser, quase lá pode. É a coisa do brasileiro, a gente tem uma sensualidade. Eu usava o sexo como arma empresarial. Sexo vende", conta Belicha.

leo-belicha-materia 4

Na mesa com Grace Jones, Björk e o Príncipe Harry

Hoje Leo continua com a Caligula em eventos privados. "Começamos a fazer todas as maiores festas de Paris,
Londres e Milão. Fizemos para o British Fashion Council, para as Semanas de Moda de Paris e Nova York e para muitas marcas", conta. Um dos momentos que mais marcou Leo foi uma festa organizada para Grace Jones. "Ela é uma das minhas maiores musas. Contrataram a gente para fazer a festa da turnê dela na Europa. Quase todo mundo já tinha ido embora, por volta das 3 e meia da manhã, senti uma batida no meu ombro e uma voz: 'quero dançar com você'. Eu virei e era a Grace Jones. Ficamos até seis da manhã no clube."

Em outra ocasião, Leo foi surpreendido ao saber que sua mesa havia sido tomada por um convidado. Protetor ferrenho de sua mesa, Leo gosta de se cercar de pessoas diferentes num quebra-cabeça. Pode ser um poeta, um mendigo, uma socialite, uma prostituta, num teatro divertido. "As histórias que se cruzam é que são importantes". Quando soube que a mesa havia sido ocupada, foi tomar satisfações e descobriu que o usurpador era o Príncipe Harry. "Em pouco tempo, o Andre J, nosso mestre de cerimônias, já estava bebendo tequila no colo dele e para completar a noite chegou a Björk".

Dos Rolling Stones a Rihanna

Se na noite Leo veste um personagem, por outro lado sabe equilibrar o lado mundano com o dos negócios,
discutindo com executivos de multinacionais de igual para igual. Quem abriu para ele as portas do mundo da música foi a brasileira Ana Araújo, que foi casada com Ron Wood. Através dela, Leo começou a cuidar da imagem dos Rolling Stones. Assim ampliou sua atuação não só para os empresários da música mas também para os de Hollywood. Tenho uma styling suite em Cannes todo o ano. 

"Hoje o red carpet tem muito mais poder do que desfile. A maneira como você está na midia é que faz sua carreira", diz Leo, que analisa o guarda-roupa, o estilo não só da pessoa mas do que está acontecendo na moda atual, passando em seguida à fase das compras e da mudança de visual. Um de seus cases mais famosos é o de Rihanna, com quem passou a trabalhar através do marido de uma de suas clientes, a cantora Roisin Murphy. 

leo-belicha-materia 5 copy

"Quando encontrei Rihanna ela tinha acabado de apanhar do namorado, Chris Brown. A gravadora estava desesperada. Apesar da fama, ainda havia um abismo entre ela e Beyoncé. Rihanna se apresentava em lugares como o Madison Square Garden mas vestia lingerie de renda e umas roupas tipo Saara, de vinil, muito pobres. Depois que ela levou a surra do Chris Brown, houve um esforço de marketing muito grande para sofisticar a Rihanna. Durante dois meses fiquei estudando todos os looks. Foi quando resolvemos que ela seria moda 24 horas por dia. Ela começou a frequentar todos os desfiles de alta costura em Paris, sempre com um vestido diferente. Foi o momento em que falei para cortar o cabelo dela, vamos colocá-la loura, fashion, Europa. Foi o momento em que ela virou tão Diva quanto as outras", conta Leo, para quem o importante nesse trabalho é manter a identidade da artista.

Rihanna é uma caribenha que não quer estar de Margiela

"Quem é a Rihanna. Ela é uma amiga minha, uma caribenha que quer fumar um baseado o dia inteiro, ficar lá jogada o dia inteiro, cantar de uma maneira divertida, ela não quer estar de Margiela. Hoje ela entende de moda porque aprendeu. No final das contas o disco não vendeu o que deveria. O público dela não entendeu. Depois fui convidado para fazer um clipe e um programa de televisão, e eu disse: gente, a Rihanna é gueto. Coloquei ela só de collant e uns turbantes bem estampados. O disco vendeu três vezes mais", diz.

Impressionado com o conservadorismo da sociedade brasileira, Leo não entende porque aqui as mulheres que se despem na praia mas são tão criticadas quando revelam algo mais numa festa. "Detonaram a Kate Moss em São Paulo porque ela estava de Saint Laurent sem sutiã", observa. "As mulheres aqui são bonitas, bem pagas, inteligentes mas são travadas. Para mim o que mais me daria prazer seria mostrar que pode".

Back To Top