Em uma tarde ensolarada do Joá, véspera de feriado, praia cheia no Rio de Janeiro entrevistei Alexander McQueen, um dos maiores estilistas da moda. Fui apresentada a ele por Isabella Blow, editora de moda famosa por ter descoberto Alexander. Os dois estavam hospedados numa casa. Na ocasião McQueen era diretor criativo da Givenchy e disputava com John Galliano, da Dior, o posto de número 1 do mundo da moda. Mas naquele dia não foi a moda que trouxe Alexander para o Rio mas a farra. Ele adorava vida noturna e aterrissou aqui para conhecer de perto a noite gay carioca.  

Por que estamos falando aqui de Alexander McQueen? Em primeiro lugar porque sem ele não é possível entender a moda não só nos anos 90 e 2000 mas hoje. McQueen é uma figura chave na minha série Mapas de Estilo das Décadas. Seu trabalho uniu sonho, arte e provocação em desfiles espetáculos que são até hoje uma fonte inesgotável de ideias. Ideias que vamos explorar nas oficinas de inspiração, onde você vai colocar em prática a cultura de moda vista em cada década. 

Tensão e plumas às vésperas da entrevista

Voltando à entrevista, eu parecia uma repórter de primeira viagem. E Isabella Blow, muito solícita, sempre de asas abertas sobre seu protegido, me deixou ainda mais tensa na boa intenção de me preparar para o encontro.

foto3 isabellaPara agradá-lo com um presente, sugeriu que eu conseguisse plumas autênticas de pássaros brasileiros porque Alexander adorava plumas e pássaros.

Desisti de cara de fazer esse tipo de contrabando. Na hora da apresentação expliquei que andar por aí com plumas autênticas de espécies nacionais era crime. E como ele chegava no dia do descobrimento do Brasil, entreguei um buquê enorme de plumas verdes e amarelas perfumadas compradas no Saara.

Inconformado com a padronização da moda

McQueen riu da brincadeira e fomos para o terraço da casa, onde ele posou para o fotógrafo Guto Costa com as Ilhas Cagarras ao fundo. Livre, leve e solto, a imagem de um Alexander em clima de férias foi a que ilustrou a matéria na capa do Ela. O oposto dos portraits dramáticos que marcaram sua vida.

alexandernoriodentroA conversa evoluiu revelando uma pessoa extremamente sensível, inconformada com a padronização da moda e otimista com um novo momento que começaria a viver em breve, o da sua própria marca, bancada pelo grupo da Gucci, hoje chamado de Kering. 

foto6 verao2003Quem acha que Alexander McQueen já tinha talento e não precisava de mais nada, se engana. Quando começou a trabalhar para a marca de streetwear Read or Dead, ficou embasbacado ao saber que a coleção Space Baby se inspirava na viagem do homem à lua. Nunca imaginou que a moda podia contar histórias e se basear numa diversidade enorme de temas.

Em Milão, assistente de Romeo Gigli sem falar italiano

McQueen é um exemplo de como a cultura de moda liberta a imaginação. De fevereiro a novembro de 1990, para aprender mais na prática foi para a Itália na cara e na coragem, sem falar uma palavra de italiano. Em Milão trabalhou como assistente de Romeo Gigli. Gigli era a sensação da passarela naqueles tempos. Mas Alexander não hesitou em trocar o emprego para voltar a Londres e estudar mais. Dessa vez na Central Saint Martins College of Art and Design. 

Na passarela com Jack, o estripador

Na escola começou a contar suas próprias histórias. Sua coleção de formatura em 1992, "Jack, o estripador persegue suas vítimas", tinha peças costuradas com o seu próprio cabelo. Foi toda comprada por Isabella Blow, que a partir de então o adotou.

 foto9 jackoestripadorFalta de dinheiro nunca foi obstáculo para ele, que fez os primeiros desfiles com o que recebia do seguro desemprego e com a ajuda de amigos. Só tinha um problema: não podia aparecer nas entrevistas para não perder o seguro. 

Nunca mais esqueci aquele pente espanhol feito de ossos humanos da mão, que prendia a mantilha no penteado da modelo no desfile de alta costura de Givenchy do inverno 1997/ 1998. 

foto11 maosossosNa passarela, o impossível acontecia. Robôs pintando em cena o vestido branco da modelo Shalom Harlow transformando-o numa obra de arte grafitada no verão de 1999.

foto12 sharlom harlow Joana D'Arc sendo queimada no final do desfile de inverno 1998.

foto13 joanaKate Moss deslizando etérea num holograma no inverno 2006. Numa época em que os patrocinadores e grande empresas dispensaram a modelo, que lutava para se livrar da cocaína, McQueen, solidário, fez questão de transformá-la na estrela da sua apresentação.  

foto14 hologramakatemossCorajoso, ousado e conturbado, McQueen fez de seu trabalho uma autobiografia, uma arte. Criou maravilhas usando uma alfaiataria impecável como base. Quem vê seus desfiles, verdadeiras óperas, nunca esquece. No último, Plato's Atlantis, batizado em homenagem à mitológica Atlântida, a cidade perdida no fundo do mar, criou 36 estampas diferentes. Foi o verão de 2010 apresentado em abril de 2009.

foto16 atlantida1Mulheres híbridas, meio humanas, meio animais, altíssimas graças aos famosos sapatos de saltos de 30 cm de altura entraram na passarela para falar de uma raça que, graças à tecnologia das células tronco, voltava a morar no fundo do mar para se salvar. 

Com Alexander McQueen não havia zona de conforto. A frase foi dita por Anna Wintour no funeral do estilista, que morreu em 11 de fevereiro de 2010 aos 40 anos. Ele deixa um mundo fantástico, muitas vezes assustador e belo para quem acredita na moda como reflexo e transformação do que vivemos.

É nesse universo que eu convido você a mergulhar ao viajar pelos Mapas de Estilo das Décadas. A cada década farei uma oficina inspiracional onde, através de um método que desenvolvi, você vai criar e vender melhor.

 

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