Numa tarde dos anos 80 em Ipanema nunca esqueci da surpresa que tive ao ver papagaios e araras estampados nas camisas da loja da Yes, Brazil, de Simon Azulay no Forum de Ipanema. Hoje olho emocionada a explosão tropical kitsch da Paradise, de Thomaz Azulay e Patrick Doering, que estreia em clima de obra de arte na galeria Espaço Movimento Contemporâneo Brasileiro. Fiquei tão ansiosa para ver que cheguei na galeria uma semana antes do lançamento.


Sereias, iemanjás, planetas, pedrarias, Adão e Eva, florestas virgens povoam o mundo da Paradise (se pronuncia paradaise com sotaque carioca mesmo), que surge com a força dos paraísos intocados. "Decidi me jogar nesse abismo obscuro, injusto e desumano que dizem ser trabalhar com moda mas daqui de cima eu só vejo o paraíso, tenho asas e faço as coisas com amor", escreveu Thomaz Azulay no seu facebook no dia do lançamento.

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"Não quero que daqui a três meses minha roupa seja vendida por 80% a menos"

Da gravura ao vestido, cada peça da coleção é numerada e tratada como obra de arte. "
Não quero que daqui a três meses minha roupa seja vendida por 80% menos. Procuro fazer poucas peças numeradas. A gente encara tudo como um trabalho de arte. O pintor fica dias pintando uma tela e eu também fico dias e dias criando uma estampa. O processo de trabalho é artístico. Nós encaramos as peças como telas em branco. As pinceladas são digitais", diz Thomaz, usando um paletó com a estampa Gênesis, povoado por planetas e sereias flutuando no fundo azul. A mãe, Lídia, vestindo a mesma print, cuida de todos os detalhes.

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"Sinta seu Deus dentro de você"

Comidinhas de Zazá Piereck, drinque Paradise com limão, vodka e água de rosas, Thomaz comemora o momento em que resolveu realizar a frase rabiscada pelo pai, que morreu quando ele tinha 1 ano: "Sinta seu Deus dentro de você". "Eu vejo as pessoas reclamando muito do mercado da moda. É um mercado difícil", diz Thomaz. "Mas também não estou vendo 
ninguém fazer nada para mudar. As pessoas estão congeladas. Estou vindo com uma proposta que não é nada do outro mundo mas feita com um carinho, com uma valorização". 

O paletó, vestido por Thomaz, é sob medida, mas na arara, você encontra do lenço (R$ 140,00) à camisa de seda (R$ 690,00). Gravuras, almofadas e capinhas de celular completam o universo da Paradise, sintetizado, segundo Thomaz Azulay pelo unicórnio, mascote da marca. 

almofadas copy

Foi na faculdade que Thomaz começou a colocar a mão na massa das estampas. "É terapêutico, um exercício, é delicioso construir essas imagens, essas loucuras. Eu treinei muito. É um referencial muito pessoal, tem muito dos nossos baús de casa", conta Thomaz, que mora na Glória com Patrick num apartamento de 90 anos num prédio tombado, carregado de histórias.

O baú Azulay

"As coisas são mais
legais quando tem história", diz Thomaz, que fez questão de levar seus baús para a galeria. E em matéria de moda brasileira, não existe baú mais rico e cheio de referências do que o da família Azulay. Simon, pai de Thomaz, foi o mago da moda-comportamento na Yes, Brazil, nos anos 70 e 80. David levou a praia para a sua Blueman, hoje tocada pela filha Sharon.

estampaarara azul

"Do baú da família veio todo o meu referencial imagético, tudo o que eu crio vem daí. Reinterpreto tudo o que eu vi no baú da família. São as imagens que eu vejo do meu pai e que eu traduzo à minha maneira", conta Thomaz, que colocou na internet um dos raros videos do pai, Simon Azulay. Um desfile de moda com direito a performance street e Gilberto Gil cantando.

"Era uma outra cabeça", diz Thomaz. "Não se tinha ideia de que se estava fazendo algo tão vanguarda como vemos hoje. Os dois (Simon e David) sempre foram muito vanguarda à sua maneira. Meu pai, por uma questão de comportamento mesmo, tudo o que ele inventava virava febre, e o David, por trazer o comportamento da praia para a Blueman".

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Rio de Janeiro, cidade musa

"Eu tenho musas congeladas no tempo, mulheres dos anos 70 e dos anos 80. Minha mãe era manequim. Era um
comportamento muito mais ousado. Eu e Patrick temos fascínio pelas paisagens do Rio, que é uma cidade inspiradora. Tirando todas as mazelas, a gente pensa no Rio que o homem não tocou ainda, no Rio de Deus", continua Thomaz.

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Publicitário, Patrick Doering também botou a mão na massa e criou a estampa Eden. "É como se o jardim do Eden fosse em Santa Teresa", conta Patrick, que trabalhou na Mara Mac e na Sara. "Sempre quis ir além e quando você está numa marca fica limitado àquelas diretrizes, àquele branding. Sempre tivemos vontade de fazer uma coisa nossa, com esse astral que você está vendo aqui", afirma Patrick, responsável pela comunicação da marca.

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Paradise com sotaque carioca

Ele explica a origem de Paradise. "Queríamos uma palavra que só transmitisse coisas boas. Veio então paradise que transmite esse imaginário, esse
lúdico, com sotaque carioca, bem a gente. Um pouquinho de alegria para todo mundo", conta Patrick, que mostra, empolgado as várias estampas. "Preciosa, Tesouro, Silvestre, onde está tudo o que não foi tocado pelo homem, Gênesis, o começo de tudo, primeira a surgir, antes dos portugueses chegarem e fazerem a loucura que fizeram. Fantastique, com golfinhos, planetas, sereias e unicórnios, é o ápice do universo kitsch. O Rio surge sempre de forma muito sutil", conta Patrick.

 

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