No maravilhoso mundo das fashion lives, uma das mais interessantes e realmente vivas aconteceu durante os shows da alta costura do inverno 2020 em plena pandemia. Foi a apresentação da Maison Margiela Artisanal. Na live, o diretor criativo John Galliano abriu para os seguidores todo o processo criativo de sua equipe. Foi uma verdadeira aula de cultura de moda.

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Grudei os olhos na tela do celular e acompanhei o estilista, cercado por sua equipe (todos de máscara) dentro do ateliê,
 desenvolvendo passo a passo os modelos. Entrevistei Galliano para o jornal O Globo em outubro de 1993, quando esteve no Brasil para o prêmio Smirnoff, conhecido por destacar e valorizar os novos talentos da época. Na ocasião o estilista estava falido em Londres mas pouco tempo depois, com o incentivo de Anna Wintour, entrou para a Dior. Até o escândalo, que provocou sua demissão da Dior em 2011, Galliano permaneceu na maison mais tempo do que seu criador, o próprio Christian Dior.
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Printei algumas referências dessa conversa aberta ao público graças ao mundo digital. Uma conversa que mostra como a cultura de moda é matéria viva para criar uma coleção. E esta coleção, segundo Galliano, deveria ser poesia em movimento.

No texto mostrado à equipe, ele fez questão de grifar as palavras: expressão da mão do artista, refração da luz e uso de diferentes materiais para criar a ilusão do movimento, Moulin Rouge, Charleston, Foxtrot, Quickstep, Martha Graham, Isadora Duncan.
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Com essas palavras chaves, ele dá a partida no trabalho, levando a jovem equipe de estilo à Belle Epoque para encontrar o bailarino Nijinsky no seu balé mais famoso: Prelúdio à tarde de um fauno.
 Frase marcada no texto-referência:  intensamente erótico, o balé culmina com uma cena orgásmica com o fauno fazendo amor com a echarpe esquecida pela ninfa mais bonita... 
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No papel de musa, a escolhida foi Gladys Marie Deacon, Duquesa de Marlborough, uma das maiores belezas da Europa no início do século XX, pintada Giovanni Boldini e elogiada por Marcel Proust. Culta, inteligente, fluente em várias línguas, a duquesa foi uma das primeiras a se submeter a tratamentos estéticos na época duvidosos e começou se autodestruir ao injetar cera para acertar o que ela achava ser um pequeno defeito no nariz. 

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Transgressão e decadência são características desse criador, que na passarela e fora dela transforma sempre a coleção numa crônica do nosso tempo. Mas para isso, vai lá atrás no passado buscar elementos que turbinem o resultado. Por isso outra referência escolhida para a narrativa foi a das gangues Apaches que aterrorizavam a França da Belle Epoque. Na imagem abaixo, uma cena do filme mudo Os Vampiros, lançado em dez partes em 1915, mostrando a dança apache. 

No texto, Galliano marca o trecho que conta como as socialites da época pagavam mil dólares a hora para serem estupradas por um gângster de verdade nos clubes undergrounds.

4apachedanceA beleza se inspira na cultura clubber dos anos 80, na fantasia do rock new romantic de Boy George e de personagens famosos como Steve Strange e Blitz Kids. Uma época em que moda e música eram super parceiras em looks montados a partir de peças vintage. 

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 As ninfas contemporâneas da Maison Margiela Artisanal lembram no moulage a coleção Fallen Angels (foto abaixo) de Galliano, lançada na primavera de 1986.foto6fallenangelsmoulageE o efeito molhado, nas palavras do diretor artístico, se baseia no famoso drapeado branco esculpido pela Maison Margiela sob tecido de lingerie transparente. Leve, sutilmente esculpido, ele se completa nos sapatos com design de sapatilha de balé.foto8efeitomolhado

Nos bastidores transformados em palco, a equipe cria uma coreografia com efeitos de raio X. "Não há poesia sem morte!", diz o estilista, que trabalha artesanalmente com muita organza, chiffon, transparência e letras em prints com efeitos especiais.

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"Tenho fome de beleza", continua Galliano. E ela vai surgindo das suas mãos sob a forma de um vestido vermelho em camadas levíssimas que se sobrepõem a uma explosão de letras.
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Em letras, cores e efeitos especiais, a coleção dança na tela do Instagram. Quando estreou na moda, o estilista ficou famoso por recuperar um corte histórico em seus vestidos, o corte de viés, inventado por Madeleine Vionnet. Hoje, ao abrir seu trabalho para o público, ele novamente faz uma declaração de amor à moda criada no ateliê.

Quem quiser ver o video de toda a live, feito pelo fotógrafo Nick Knight, é só clicar aqui:

 

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